Naquele dia tinha violão na hora do intervalo. Até que enfim alguém sabia tocar
alguma coisa da Marisa Monte... A pedidos, cantei "A Sua". Cantei sentido
- parecia que eu já sabia a conversa que teríamos no dia seguinte...
Não
resisti quando você sentou bem atrás de mim ao fim do debate e começou a
sussurrar randomicidades. Discretamente, levei a mão ao seu joelho
carinhosamente, nem ligando muito prás poucas pessoas que conseguiriam ver
daquele ângulo. Eu sentia necessidade de te tocar, e sempre q eu podia fazê-lo,
eu fazia. E você também parecia gostar, parava perto, às vezes bem à minha
frente.
Ao fim, fomos de braços dados até o ônibus da faculdade. Chegando
perto você parou pra me dar mais um abraço daqueles que eu adoro e disse que
precisávamos conversar seriamente. Gelei. Será que eu tinha exagerado? Devia eu
ter mais compostura? Agora havia também um jogo político, explicitei minha
preocupação e você disse que não era isso, que ninguém tinha a ver com a nossa
vida.
Pois bem: se não era isso, o que havia de tão grave na sua
voz?
O discurso se iniciou com lisonjas e senti desconforto em você. Você
dizia que eu era uma mulher de verdade em meio à tantas meninas que você via por
aí, o que o tentava muito. Era para eu ficar feliz ao ouvir coisas assim, mas a
tensão era grande. Caminhamos até o jardim e ao chegarmos lá, sem que você
olhasse nos meus olhos, a verdade saltou da sua boca: havia uma outra pessoa,
bem longe. Mas que poderia voltar a qualquer momento. E estaríamos magoando-a.
Quase perdi o chão primeiramente porque eu realmente não fazia ideia - e me
esquivo de toda forma de caras comprometidos. Segundo foi por pena. Pena que
aquela coisa tão gostosa que estávamos vivendo fosse em vão. Aparentemente nos
identificávamos ideal e fisicamente, havia muita química mas também muito afeto.
Havia total possibilidade de que nos apaixonássemos; você também sabia e tinha
medo como eu. Concordamos então que aquilo não deveria continuar. "Amigos,
certo?". Certo. Que jeito, né?
Terminado o assunto, você decidiu me
levar de volta ao ônibus, mas eu não conseguiria seguir sem ao menos pedir um
último beijo. Eu precisava sentir tua boca e teu corpo pela última vez,
precisava daquilo prá sonhar... E você sorriu largamente, num misto de
satisfação e medo. "Último mesmo? Tem certeza? Depois você não vai ficar
querendo outro, e mais outro, e mais outro...?"
- Vou querer sim,
mas vou resistir...
Você me pegou pela cintura, nossos rostos
dançavam frente a frente sem se tocar. Eu delirava sentindo a sua respiração
antes que nossas bocas finalmente se tocassem, e então foi como se um raio
tivesse caído sobre nós. Esquecemos o resto do mundo, ficamos loucos, quase
perdi os sentidos ao mesmo tempo em que eu sentia de tudo! Foi o beijo mais
intenso de toda a minha vida. E o abraço que se seguiu - ah, o
abraço...
"Eu só quero que você caiba
No meu colo porque eu
te adoro cada vez mais..."
Porque despedidas são assim, tristes e
intensas? Enfim, já era hora do ônibus sair, precisávamos voltar. Você ainda me
chamou pra ir com você num bar, mas fui clara quando eu disse não. Eu precisava
me afastar um pouco, você precisava entender até mesmo em nome dos nossos
projetos políticos. Era assim ou a amizade também iria pelo ralo. Acho que você
compreendeu...
"Eu só quero que você siga
Para onde
quiser
Que eu não vou ficar muito atrás..."
No ônibus, meu
estômago revirava e eu achava que dava prá ler na minha testa. Essa mesma testa
que você beijou enquanto se misturava aos outros. Eu não queria muito olhar prá
ninguém. Nossos amigos em comum, ao nos verem entrar no ônibus juntos, sorriam
demonstrando cumplicidade. Mal sabiam o que realmente tinha acontecido.
O
bolo na garganta me seguiu até em casa, onde lembrei da música cantada nos
corredores da faculdade no dia anterior:
"Eu só quero que você saiba
que estou pensando em você
Mas te quero livre também
Como o
tempo vai e o vento vem..."
As lágrimas, finalmente, correram pelo
rosto.
"E que eu te quero livre também
Como o tempo vai e o
vento vem..."
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