sábado, 30 de junho de 2012

O acaso não existe

As pessoas já se despediam, quando Evita foi fazer o mesmo, abraçando-o. Juan não queria soltá-la, na verdade queria que ela o seguisse. Havia uma casa abandonada escondida por ali, um grupo iria até lá. A aventura a seduzia, mas antes quis se certificar:

- Você QUER que eu vá?

Ele evitou os olhos dela. Disse "não sei" de forma reticente. Ela pensou que se não era prá ela ir, ele não a teria chamado. Por que não? Que mal haveria?

Ela ficou impressionada como parecia que já conhecia o lugar. Já o teria visitado num de seus sonhos adolescentes. Era possível? Sabia que coincidências não existiam e confiava que estava onde realmente deveria estar.

No meio da escuridão, quase tropeçou. Ele lhe deu a mão e seguraram forte, num misto de satisfação e medo.

A cada passo, o reconhecimento ficava ainda mais forte e era difícil conter a excitação diante das constatações. No topo da escada, simplesmente parou. Ficou ali, embasbacada porque "já havia estado ali", ele dois degraus abaixo, ainda segurando a sua mão. Talvez ele tivesse medo que ela flutuasse, tamanha a fascinação que ela estampava em seu rosto. Ele não podia entender como um casebre abandonado no meio do mato poderia causar tal reação, talvez porque já conhecesse bem aquele lugar.

À luz de velas, o grupo sentou no chão do cômodo principal e começou a conversar sobre temas diversos. Ela só olhava em volta, reconhecendo cada centímetro das paredes, das janelas, e até da posição em que cada um sentava em volta. Se bem se recordava, era naquele momento em que ela já tinha se visto levitando, voando alto, até passar por sobre as telhas da casa. Ele - que ela não conhecia à época que sonhou - voava junto com ela. Mas daí em diante ela não lembrava mais, talvez tivesse acordado nesse momento (e é difícil lembrar de sonhos que se teve muitos anos antes).

Ela estava agora confusa. Precisava de um pouco de ar fresco então foi até a porta. Ele não demorou a abordá-la no mesmo lugar.

- Você já tinha vindo aqui?

Ela não conseguia pronunciar nenhuma palavra. Acenou que não com a cabeça, então ele a convidou a conhecer o resto do espaço.

Não havia muito o que olhar. Tinha mato e estava escuro. Ela se concentrava no som dos próprios pés pisando nas folhas secas quando notou que ele parou. Olhou prá trás e ele se espreguiçava. Se muito bem o conhecia, era um sinal de quem quer dizer algo mas não sabe como. Porém, não disse nada. Era mais um daqueles silêncios entre eles que diziam muito.
 
E assim Evita foi prá casa. E assim Juan foi prá casa. Cheios de tanto silêncio.

terça-feira, 19 de junho de 2012

O Encontro

"É você quem sorri, morde o lábio, fala grosso, conta histórias, me tira do sério, faz ares de palhaço, pinta segredos, ilumina o corredor por onde passo todos os dias. É agora que quero dividir maçãs, achar o fim do arco-íris, pisar sobre estrelas e acordar serena."

(Caio Fernando Abreu)
Eventos atrasados. Estresse. Insatisfação geral. Mesmo concentrado ao caos, era nela que seus pensamentos voavam. De alguma forma ele sabia onde ela estava. De alguma forma telepática, esperava estar chamando por ela. E os chamados surtiram efeito.

Quando Evita adentra, tudo parece em camera lenta. Ela olha em cada rosto buscando o dele. Depois finge indiferença e se concentra em buscar um lugar prá sentar. Mal sabe ela que ali, em meio a milhares de pessoas, ele a identificou. Juan a segue com o olhar. Fica à espreita aguardando o momento certo de se aproximar. E o faz.

Ela acha graça do número, acha graça da mudança de visual. Ele não quer parar e sentar ao lado dela logo de cara, fica no entorno - conversa com um, conversa com outro, mas não sai da proximidade. Ela nota e, de alguma forma estranha, se sente acolhida. Gosta dele por perto.

Ele, de longe, não tira os olhos dela. Repara como ela interage com outros, como ri largamente, e de certa forma sente inveja dos seus amigos, por estarem tocando-a como ele mesmo gostaria. "Afinal, o que me falta?". Esperou então os amigos se afastarem, e lá foi se juntar a ela, talvez para interagir da mesma forma, talvez só para conversar. A essa altura, já não importava, só queria estar perto.

Ela notou seu vulto chegando por trás, nem precisou olhar: pela taquicardia que a atacou subitamente, ela já sabia quem era. Ele carregava consigo uma aura, uma energia que ela detectava quase inconscientemente. Os amigos que sabiam do fato davam nomes, chamavam de "magnetismo", mas ela não estava preocupada em nomear. Bastava entender que aquilo funcionava de forma muito eficaz. E assim ele se sentou ao seu lado, conversaram randomicidades, ele fingia que não tinha assistido às cenas por ela vividas pouco antes e perguntava tudo que havia acontecido. Ele estava com ciúmes ou simplesmente queria ampliar os assuntos? Nem ele sabia... Mas trocavam, assim, olhares, sorrisos, confidências. Até o momento em que citou "a pessoa que mora comigo".

Evita, que não gostava de rodeios, foi direta:
- Você quer dizer, "sua mulher"?

Juan baixou os olhos e puxou a boca prá direita. Não queria concordar, mas essa era a verdade. Ela o observava, com olhar altivo - uma muralha construída para que ela mesma não desmoronasse. Até que ela finalmente baixou os olhos também, e o acompanhou na tarefa de fazer dobraduras com os informativos que receberam. Quase ao mesmo tempo, uma amiga a chama prá ir lá fora, um amigo o chama num canto prá conversar. Ele não tem o que fazer a não ser a seguir com o olhar.

Elisa fala, fala, mas ela não tira os olhos da antiga arquitetura do lugar. Evita pensa que será melhor não voltar. Mas seu coração bate forte pedindo por um abraço. Por um momento, esquece o "tal magnetismo", e resolve seguir a razão só de vez em quando.

Ele ouve o amigo, mas morde os lábios nervosamente pensando se a verá novamente. Queria simplesmente sair correndo e abraçá-la, mas raciocinava e raciocinava - talvez melhor não.

Até que seu coração dá um clique.

Até que o coração dela dá um clique.

Ela para enquanto a amiga continua andando. Num movimento lento, dá meia volta, inicia a caminhada com passos inseguros, que logo ficam impacientes. Ela caminha sem rumo, o coração é o guia.

Ele pede licença, caminha para a saída, desvia de muitos, sai do salão e olha em volta. Não sabe bem prá onde está indo. Coça a cabeça e seu coração toma o rumo. Atravessa uma grande e antiga porta de madeira e, como se soubesse o que está fazendo, acelera o passo.

No corredor, em meio a vários transeuntes, seus olhares se encontram de longe. Ficam aflitos tentando um caminho mais rápido, as pessoas não colaboram. Finalmente se encontram: peito contra peito, coração contra coração. Um abraço forte de quem não quer deixar seu lar. Pessoas continuam andando à volta, eles não reparam. Simplesmente ficaram invisíveis na multidão. Se teletransportaram para um universo paralelo, não existem mais nessa galáxia.

E ficam ali, por alguns minutos enlaçados, balançando como quem dança uma valsa inaudível. Os olhos fechados, corações serenos, sorrisos irrepreensíveis. Aos poucos, se soltam, sem se afastarem. Olham um no rosto do outro como quem quer memorizar, adentram nos olhares reciprocamente. Ambos sabem que é hora de ir, voltar pro planeta Terra.

Finalmente, cada um retorna lentamente para onde estava. Sem trocar nenhuma palavra. Não era necessário, porque em silêncio era que trocavam as maiores verdades.

Corações não são hipócritas.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

"Ainda somos os mesmos..."

"Não quero lhe falar, meu grande amor,
Das coisas que aprendi nos discos...

Quero lhe contar como eu vivi
E tudo o que aconteceu comigo
Viver é melhor que sonhar
Eu sei que o amor é uma coisa boa..."

Tanta gente... Tanta energia... Tanta vontade de mudar... Que uma hora explode. E em meio a sprays de pimenta e tensão, nossos olhares se encontram. Já havia dias que não nos víamos e estávamos completamente descaracterizados, mas o reconhecimento foi imediato - será que você também me procurava? Meu coração dá pulos, meu estômago parece num elevador. Um abraço rápido só pra matar a saudade, porque o momento não é oportuno. Nos separamos novamente. Você volta prá saber se eu comi, pede prá segui-lo. Some de novo. E assim, vez ou outra, nos aproximamos e afastamos, rimos, cantamos, nos olhamos de longe. Palavras de ordem, atenção ao palanque. Mas chega a hora de se despedir e eu nunca sei direito como fazê-lo...

Tarde da noite, nos encontramos, frescos e renovados depois de uma chuveirada. Você me sorri, eu te sorrio, nos abraçamos. Você brinca de cheirar meu pescoço, eu não aguento de cócegas. Você se preocupa: "é por causa da barba?". Você sabe que não, você sabe o que me arrepia de verdade... E talvez por isso mesmo, faz de novo. Me chama prá detrás da lanchonete, dividimos confissões. Há algo seu comigo - será que eu perdi? Voltamos prá frente da lanchonete, conversamos com amigos. Você se afasta. Fica ali, parado, quase em frente a mim. Tento me distrair com o que os outros falam, mas só consigo contemplar seu vulto pela visão periférica. Talvez você tenha ficado ali, me olhando de longe, por uns 5 minutos. E eu pensando se eu me aproximava prá me despedir, ou se eu teria outra chance.

Nossos olhares se encontraram novamente. Eu não sabia o que fazer e baixei os olhos. Quando voltei o olhar, vi você virando devagar, andando pro seu ônibus, como quem espera que eu corra para abraçá-lo. Assim como eu espero, quando entro no ônibus, que você venha atrás prá falar comigo. E como você, eu não fiz nada. Fiquei lá, parada, te olhando se afastar, sem saber o que fazer, tentando falar por telepatia "volta!...". Esse foi nosso último momento: um contato visual cheio de medo, uma despedida sem palavras. Não tivemos outra chance.

Sabe lá quando teremos novamente?
(A propósito, seu negócio ficou comigo...)

"O que tem de ser tem muita força." (Guimarães Rosa)